Curso de Arquivologia da UNESP envia ofício à Câmara dos Deputados

18/10/2017

Solicitação de arquivamento do Projeto de Lei n°7920/2017 foi recebida pela CCTI em 18 de outubro, a seguir íntegra do documento

Marília, 12 de setembro de 2017

A Sua Excelência o Senhor
Deputado Rodrigo Maia
Presidência da Câmara dos Deputados
Praça dos Três Poderes

Câmara dos Deputados - Anexo II, Ala C, térreo, sala 34
Brasília-DF, CEP 70160-900

Assunto: Arquivamento do Projeto de Lei n°7920/2017, que dispõe sobre a digitalização e arquivamento de documentos em mídia óptica ou eletrônica e dá outras providências.

Senhor Deputado.

No dia 12 de julho de 2017 na Universidade Estadual Paulista-Campus de Marilia, fora realizado um debate a respeito do PL 7920/2017 (antigo PLS n°146/2007), no qual a comunidade arquivistica acadêmica se manifestou contrária ao referido PL.

Visto que fora discutido no dia 12 de julho, e em apoio à manifestação do Conselho Nacional de Arquivos-CONARQ efetuada por meio do ofício n° 025/2017, encaminhado ao Senado Federal no dia 15 de maio de 2017, os acadêmicos do curso de Arquivologia da Universidade Estadual Paulista-Campus de Marilia, vem mui respeitosamente, solicitar a Vossa Excelência o ARQUIVAMENTO DEFINITIVO do PL n" 7920/2017. Solicita-se ainda, que este ofício seja juntado ao processo do PL 7920/2017.

Entende-se que o texto do PL em questão contraria a legislação arquivística existente. Bem como ignora a literatura arquivÍstica e suas pesquisas, e anula o valor probatório e testemunhal dos
documentos arquivísticos.

Salientam-se aqui as inconsistências do PL:

- O documento arquivístico se distingue entre outros fatores, por suas características de unicidade e originalidade, conforme é esclarecido por Heloísa Liberalli Bellotto em seu livro "Arquivos Permanentes" de 2004. Isso significa que, o valor probatório e testemunhal dos documentos arquivísticos são assegurados, entre outros fatores, pelo fato de estes serem documentos únicos e originais. Assim, ao considerar a eliminação de documentos temporários após o processo de digitalização (ainda que seguindo normas), o PL contraria os fundamentos da arquivistica e põe em risco a verificação da autenticidade e genuinidade dos documentos. Visto que um "documento" digitalizado trata-se de cópia, este não possui elementos que fundamentem a veracidade de seu conteúdo.

- A tradição documental, que de acordo com Heloísa Liberalli Bellotto em seu manual "Como fazer análise Diplomática e análise Tipológica de documento de arquivo" de 2002, é a parte da Diplomática que se ocupa dos modos de transmissão do documento e estabelece a ingenuidade documental, entende tais formas de transmissão como pré-original, original e pós-original. De modo que a digitalização se trata de um processo de emissão de cópias, que são pós-originais. O único modo de transmissão que possui os elementos capazes de atestar autenticidade e genuinidade é o original, a cópia de um documento, seja ela digital ou analógica, não possui nenhum valor legal ou jurídico. De modo que a realização de descarte de documentos originais (estejam eles em período corrente, intermediário ou permanente), em função da guarda de suas cópias, pode ocasionar danos irreversíveis à sociedade como um todo. Já que tal feito pode acarretar problemas quando houver necessidade de apresentação de provas legais diante da justiça.

- Além do fato das cópias em geral não se caracterizarem como documento de arquivo e não possuírem valor jurídico, estas são extremamente vulneráveis a manipulação. Se uma fraude em documento original pode ser investigada por meio dos elementos impostos pela Diplomática, a adulteração de uma cópia se torna de difícil percepção, já que esta não possui os mesmos elementos que documento original. Portanto, ao se eliminar um documento original, abre-se espaço para a manipulação de provas e torna-se nula a chance de se chegar à verdade que o documento original representa e busca assegurar.

- A legislação arquivística existente dá conta de suprir as necessidades atuais. Sendo assim, não há necessidade de alteração em nenhuma delas para regularizar a digitalização, até mesmo pelo fato de esta já ser regulamentada pela Lei n° 12.865, de 9 de outubro de 2013.

- Além disso, o PL demonstra desconhecimento da legislação ao afirmar que a incineração pode ser um meio para destruição de documentos, visto que esse processo não é considerado pela Resolução do CONARQ n° 40, de 9 de dezembro de 2014, que dispõe sobre os procedimentos para a eliminação de documentos no âmbito dos órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional de Arquivos.

- Há um grave equívoco no PL, ao confundir documento digital com documento digitalizado. Documento digital é o documento nato digital, que quando elaborado de acordo com os parâmetros da Diplomática Digital e Diplomática forense tem sua autenticidade e genuinidade assegurados. Enquanto "documento" digitalizado é uma cópia, como já foi ressaltado, e não possui nenhum desses elementos, de modo que o ICQ-Brasil não é capaz de lhe atribuir-lhe tais elementos.

- Embora o PL os ignore, as resoluções do CONARQ, e-Arq Brasil e projeto INTERPARES, trazem importantes elementos para a segurança, autenticidade e genuinidade dos documentos natos digitais.

- A afirmação de que a digitalização é capaz de reduzir custos é extremamente falsa. Pois se trata de um processo de alto custo, o qual faz uso de equipamentos de valor elevado e requer manutenção com profissionais da computação, visando a preservação digital e segurança contra o ataque de crackers. Tais custos são desnecessários, pois os documentos temporários podem ser eliminados de forma legal, após a prescrição de seus prazos de guarda, por meio de aplicação de gestão documentai e assim, avaliação adequada. De modo que não há necessidade de digitalizar nenhum documento. Contudo, não é possível determinar se um documento é temporário ou permanente sem uma boa gestão documental e tabela de temporalidade, o que deve ser feito por profissional arquivista, de modo que este é mais um equívoco do PL. Entende-se assim, que as instituições que não possuem profissionais arquivistas em seu quadro de funcionários serão as mais prejudicadas caso tal PL seja aprovado, ocasionando danos irreversíveis à sociedade.

- Vistos os custos elevados do processo de digitalização, entende-se que o PL fora elaborado com a intenção de favorecer ao nicho das grandes empresas de digitalização.

- Destaca-se que a digitalização realizada com responsabilidade, obedecendo aos fundamentos e normas da arquivística, com a indexação adequada, e principalmente, conservando os documentos originais, pode sim ter benefícios em alguns casos. Contudo, tais benefícios não dizem respeito à redução de custos, pelo contrário, esta representa um investimento com a finalidade de facilitar o acesso aos documentos para consulta e assegurar a conservação preventiva de documentos que são muito manuseados.

- Acredita-se que o PL seja uma emenda malfeita da Lei n® 5.433, de 8 de maio de 1968, que regula a microfilmagem de documentos oficiais e dá outras providências. Salvo o agravo do PL considerar a eliminação dos documentos temporários, de maneira incoerente, o que não é previsto na Lei n° 5.433, de 8 de maio de 1968, que não permite a eliminação de documentos correntes e
permanentes.

- Outro fator importante é o fato de o PL nâo prever o caso dos documentos sigilosos, já que estes possuem acesso restrito, e o ambiente virtual é bastante frágil no sentido de controlar tal acesso, visto que a tecnologia avança de forma acelerada, apresentando a cada dia ataques e vírus cada vez
mais fortes e sofisticados.

- O PL falha também ao não considerar a obsolescência dos softwares e hardwares informáticos, pois a ausência de cuidados com a migração dos mesmos pode implicar na perda das informações contidas tanto nas cópias digitalizadas quanto nos documentos natos digitais.

- Ressalta-se que tanto os documentos natos digitais quanto os emitidos em papel requerem um custo e tratamento adequado, além de ocuparem espaço (no caso ambiente virtual costuma-se demorar mais tempo para esgotar espaço, mas também ocorre). De modo que a solução para reduzir os custos com emissão de documentos e espaço de armazenamento dos mesmos, seria o apoio para a atuação de profissionais arquivistas desde a produção dos documentos, com a finalidade de otimizar a produção documental, evitando-se vícios como a emissão excessiva de cópias. E não a digitalização, que, aliás, também é um tipo de cópia, conforme já fora mencionado.

Conclui-se que o PL n° 7920/2017, é uma estratégia que pode fragilizar ainda mais o documento de arquivo, abrindo espaço a fraudes e injustiças, o que pode inclusive reforçar a instabilidade política, econômica e social em que nosso país se encontra atualmente.

Certos de contar com sua compreensão, subscrevemos.

Atenciosamente,

Maria Leandra Bizello - Coordenadora do Curso de Arquivologia da UNESP-Marília

Sônia Maria Troitiño Rodriguez - Coordenadora do CEDEM/UNESP

Stefany Munhoz - Coordenadora do Centro Acadêmico de Arquivologia

José Augusto Bagatini - Presidente da Empresa Júnior Egid Jr.


FONTE: goo.gl/HBgyTj



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